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No Chão d'Água...

Ah, quem escreverá a história do que poderia ter sido? (Álvaro de Campos)

No Chão d'Água...

Ah, quem escreverá a história do que poderia ter sido? (Álvaro de Campos)

22.06.11

Homem e poeta


Sonhador (imagem obtida no Google)

 

De quando em vez remo

Contra a aragem sangrenta dos tempos

Tomando asas de condor

A rasgar o horizonte e a esculpir

Estátuas hermafroditas

No centro rochoso das praças nuas.

 

Libo os néctares das estepes

Que se erguem na orla das imagens

Peregrinas que navegam as dores insolentes

No limbo da amálgama dos dias

Entre a embriaguez e a demência

Matizada dos canteiros de açucenas.

 

Disfarço as rugas e as mazelas maquilhando

De sorrisos a raiva e a revolta

Enquanto nos mastros dos teatros drapejam

Bandeiras esfarrapadas e sinistras

Que anunciam tréguas, como farrapos brancos

De rendição e despojamento.

 

No chão esquálido a minha sombra irreverente

Mima cada movimento que faço

Reproduzindo os volteios com que preencho

As arestas de todos os silêncios selvagens

E adorno de carinhos a aridez de todas as texturas

E as cores de todos os alvores inesgotáveis.

 

Já não me lembro de como se faz adeus

A um barco que levanta ferro dum cais vazio

De beijos e inundado de abraços e lágrimas!

Já não me apetece fingir com palavras de filigrana

As ondas de desejo e vacuidade que incendeiam

As largas avenidas e as estreitas vielas de inquietude.

 

Se sonhar for alternativa,

Deixem que me enrosque em posição fetal

E, divagando no líquido amniótico da minha loucura,

Atinja a gruta sofrida do meu emergir renovado:

- Homem apenas homem…

Poeta, o quanto baste ser poeta!

 

 

Em 21.jun.2011, pelas 00h30

PC