Qual liberdade?
Quando me apetece sonhar
Sento-me no chão
Para sentir pulsar a terra
E adivinho o fervilhar dos formigueiros
Na azáfama de garantir o futuro.
Levanto voo nas asas duma rola brava
E poiso saltitando com um pardal inquieto
Numa roseira brava da beira do caminho.
Ensaio a medida da distância que vai
Do meu lugar ao ponto mais distante
Do horizonte
E preencho o tempo lançando beijos
A todos os insectos que passam por mim
Indiferentes ao meu desvario.
As plantas ao redor nascem, crescem e morrem
Apesar da minha presença
E uma flor lilás, de que não sei o nome,
Acolhe, num abraço extasiado,
A visita duma abelha ladina
Que a vai polinizar…
- Amam-se sem preconceitos os dois
Apesar da indesmentível poligamia do insecto!
Eu sinto-me privilegiado por ser livre
E poder sentir o sopro suave da aragem
Que passa sem me dar palavra,
Na pressa de chegar, nem ela sabe onde.
Aconchego-me sob a copa dum carvalho velho
Que, por entre os braços estendidos dos ramos,
Deixa que o sol me enlace
Num jogo de luz e sombra.
Algures um canário trina
Como se pedisse socorro…
Abro os olhos e lanço a atenção para longe,
Na direcção do grito canoro
E dou-me conta do óbvio:
- O infeliz está preso numa gaiola dourada
Suspenso do lado de fora de uma janela fechada
E chora
Naquele seu cantar de encantar!
E eu que me sinto livre fico preso do grito
E num trinar de assobio
Respondo ao seu desafio…
E por momentos sou a irmã ave
Da ave minha irmã
Que reclusa e só
Olha o espaço largo a que pertence
E canta para dizer:
- Tenham dó!
E se o sonho era o sonho foi
E de volta ao real concluo:
Nem o canário terá a liberdade reclamada,
Nem eu aquela tantas vezes sonhada!
by Paulo César, em 01.Jul.2009, pelas 18h30