Amor por outras palavras
Quero falar-te de amor
com palavras simples,
escorreitas,
lustrosas e puras,
sem trejeitos,
como se falássemos da chuva
que fustiga as vidraças;
ou do vento que sopra
nos ramos desfraldados
das árvores hirtas;
ou do luar manso e cândido
que inunda as noites frias;
ou das águas continuamente limpidas
dos ribeiros silenciosos,
onde as rãs procriam
e coacham sem regras;
ou das viagens que não fizemos,
porque o sonho morreu em si mesmo;
ou da música que se solta
em todos os recantos nocturnos,
sem que se saiba do maestro
ou dos instrumentistas;
ou das aves que voam,
que gritam,
que cantam
e nidificam nos saborosos
lugares do assombro;
ou das altas montanhas
onde a urze cresce e a rola
se espreguiça dona do espaço agreste;
ou das hortas frescas
onde a água corre em regadeiras
estreitas e a sede se entrega vencida;
ou da algazarra das crianças
em bandos, em turbilhão,
lançando vozes que ferem o presente
na peugada dum porvir
desenhado a lápis de cera;
ou da cadência arrastada dum caminhante
cuja força se perde entre um e outro passo,
porque a velhice lhe tolhe os movimentos.
Ou de como é fácil ser louco
quando se busca uma forma nova de dizer
com palavras tão iguais
a si mesmas, que se estranha
o ritmo e a musicalidade
das consoantes e das vogais
na cadeia consequente do poema.
by Paulo César, em 28.Set.2009, pelas 17h30