Quem és tu?
Quem és tu?
A imagem que o espelho frio
reflecte
e tem olhos fundos de ver
para além da espessura
enquanto se derrama
entre a abstracção e o enfado?
A sombra desenhada no alcatrão
negro e impenetrável
pelo sol inacessível,
que vai pontapeando
pedras soltas
como se chutasse o medo?
O vagabundo que trauteia
canções de embalar
nas ruas desertas
convencido de que o luar é
a vela na mesa posta
para um jantar sem data?
O velho que repete
o gesto de limpar o banco
onde se senta todos os dias
para falar consigo mesmo
a amargura dos silêncios
e a alegoria dos afectos?
O emigrante que se afunda
num canto bêbado
a tomar folego para o sonho
e a desfiar cantilenas pátrias
com olhos transidos de frio
que não se compara ao desamor?
És tu alguém que eu conheço?
Ou a minha pressa empurra-me
para a insolência dum gesto
indiferente e irracional
com que me liberto da culpa
e me acomodo ao labirinto?
Ainda vou a tempo de te conhecer
reconhecendo quem és,
e aprendendo a ser eu?
Ou o tempo quebrou a ponte
e é impossível ligar o teu
ao meu lado da interrogação?
by Paulo César, em 29.Jul.2009, pelas 19h00