Do alto da minha janela
do alto da minha janela aberta
à noite, ao luar e ao longe
vejo o que vejo e o que almejo.
as casas caladas, que ficam do outro lado
da rua,
os carros, que correm atrás dos sonhos
dos condutores acelerados,
as árvores, nuas de ninhos e prenhes
de pássaros imberbes,
os cães vadios rosnando a fome
junto aos caixotes do lixo,
os gatos no cio miando desejos,
com olhos de perdição felina,
as luzes trémulas das luminárias, que incendeiam
as artérias hirtas de sangue e suor,
tresandando a feromonas,
o assobio oblongo dos ventos agrestes,
resvalando nas esquinas em estafetas miméticas,
e os olhares vasos de quem se arrasta traumaticamente
para o cadafalso das casas cheias de vazio,
ornamentadas de projectos anacrónicos
e muitas discussões hermeticamente assassinas.
do alto da minha janela aberta
vejo um rio de veludo azul
entroncando num céu de panorama anil
e todos os aviões de carreira que vogam
nas correntes ascendentes em direcção a todos os lugares
que eu penso existirem, onde dizem que existem,
ainda que nunca os tenha chamado pelo nome próprio,
nem cumprimentado com um trivial bom dia.
já empreendi que, do parapeito da minha janela
aberta à noite, ao luar e ao longe,
eu poderia erguer uma escada de fios de teia
e por ela subir ao lugar mais secreto que conheço,
ainda que nunca lá tenha ido com os olhos totalmente abertos
e capazes de ver o que lá existe.
não sei... não há quem acredite que o lugar mais secreto que conheço
sou eu mesmo,
inquietando-me de ser apenas a imagem mínima
do que verdadeiramente sou.
e isso faz-me como que uma comichão ou frenesim.
se eu, que sou, não me conheço,
quem me haverá de conhecer a mim?
Em 16.jun.2013, pelas 00h30
PC