Escorre pelas minhas mãos o líquido dos teus olhares vagarosos, as dores do tempo das tuas regras, o vazio das palavras que escreves em blocos de notas à espera que alguém as leia. Escorrem dos meus lábios beijos que não conheces, sorrisos que não identificas, gritos de silêncio que nunca ouvirás ainda que te afadigues na escuta. À noite, a liquidez coada das almas transformam os encontros em inutilidades e por cada gota de saliva que sorves da minha boca dá-se a osmose da (...)
Já não há tempo para te falar do sabor dos dias, nem para te carregar nos braços e te levar aos confins do silêncio, onde moram os anjos querubins, as fadas, os arlequins e de onde irradiam, acutilantes, os raios de sol ardentes. já não há tempo para te dizer num abraço a estreita infinitude das memórias que galgam os diques e alagam o horizonte das planuras onde me deito e medito, chispando a febre do desejo nunca alcançado. Delicado o meu olhar buscará o ponto de luz que (...)
As palavras grito-as eu, como se barco fosse, e todas as marés são de feição. Nos antípodas, uma estrela cintila e à distância um rumor me chama. Não há rotas a cruzar as veredas onde me descrevo e me assumo e todos os pontos da abóboda celeste são marcas que deixei em cada poema, em cada proclamação, em cada silêncio. Barcos são andorinhas das águas e, os remos, asas que nunca souberam voar. Da serenidade do Olimpo desceu uma luz amena e Orfeu veio dançar à chuva uma (...)
Em tudo o que faço, está tudo o que sou. Dei tudo! Tudo, até ao esgotamento. Nada guardei para mim, a não ser algumas memórias, um ou outro tempo sofrido, uma gargalhada feroz e alguns desatinos. Escrevi em papéis de ocasião todas as palavras que me consumiram e com elas escrevi livros que li, reli e voltaria a escrever. Uns quantos ousaram acompanhar-me na liça dos dias e subiram a meu lado ao trono dos devaneios para comigo comungarem da luz que me encharcou por breves períodos, at (...)
Deixo os prados, as lezírias, as charnecas, deixo os montados e os bosques, deixo as hortas francas e os jardins estarrecidos, deixo os caminhos de pedra e pó e os montes pederneira onde o sol chega primeiro e acende setas certeiras que são fios de luz. Deixo os rios, os lagos, os ribeiros, as fontes, os poços, deixo os olivais serenos e os figueirais inquietos, as tardes vacilantes de cansaço e as noites longas de inquietação; deixo "as armas e os barões assinalados", deixo a (...)
Caiu do céu uma estrela.
Bela, bela, era ela, essa estrela
que vertiginosa desceu,
soltando-se do céu.
Caiu suave, com cintilações,
tal qual uma ave
que se faz ao infinito
do azul bonito
de todas as paixões.
Silenciosa, tremeluzindo,
lá do céu alto, altíssimo e lindo,
plangente caiu
e nunca mais ninguém a viu.
E uma vez por outra no silêncio do ocaso,
na penumbra do horizonte raso,
julgo ver ou parece que vejo
uma outra sua igual
que cai a pique tal qual
a (...)
A Natália Correia, mulher poetisa e tudo.
Se um dia te disser - palavras guilhotina a cortarem cerces os apêndices masculinos - não me calarei nunca mais e esperarei o sangue que escorrer do ângulo agudo do teu corpo, de todo o teu tempo de regras. Serei patrono do teu olhar fulminante, da tua irreverência libertada, libertina, das excêntricas verdades que deixaste ditas para a todo o tempo acordarem os moribundos para a viagem das naus que deixaram presos ao chão os velhos do (...)
CICLOS
Admito que morri. Não há nada a fazer... É só esperar acontecer! Caídas as folhas breves no chão se acolhem em monturo. Virão as neves e o tempo duro. Tempo depois de tempo, outro tempo virá, que, o ciclo, ainda que lento, não cessará. Morrer não é senão nascer noutra dimensão! Em 18.Nov.2022
O vento que dá nas sombras
despenteia as ramagens vagarosas
e os pássaros imberbes
esvoaçam aturdidos ao redor da tarde.
De quando em vez uma algaraviada soa.
Um zumbido acorda a letargia dos pensamentos
duma criatura rotunda
que se prostra penosamente ante a modorra.
E num sopro, as palavras soltam-se libertas e pressurosas
a cumprimentar os passantes
e a cantar melodias com aromas intensos
e saborosos presságios de encantamento.
Por cada abraço e por cada (...)